1. Li este livro nas férias, quase de um só fôlego (300 páginas num dia e meio). O tema polémico e o autor reconhecidamente talentoso e virulento, tinham-me já posto a salivar aquando do lançamento do livro, marcado aliás pela coincidência infeliz - chamemos-lhe assim - dos atentados do Charlie Hebdo. Se for possível abstrair desses tristes acontecimentos, há ainda qualquer coisa de estranho no lançamento dos livros hoje em dia, com um marketing e mediatização que mimetiza os blockbusters de Hollywood - veja-se "Purity", o novo de Jonathan Franzen e a autobiografia "A minha luta", de Karl Ove Knausgard - que nos chegam em majestosas procissões de eudeusamento, concelebradas pelos mais eminentes teólogos e sacristãos da literatura dos nossos dias. Depois do crivo "intocável" dos editores e das críticas que em geral não se atrevem a baixar a nota, o que resta ao "consumidor" final do que dizer Ámen ? Alerta e doravante, não nos resignemos ao pensamento "oficial".
2. Quanto ao livro achei-o bastante interessante, mas com alguns reparos. Houellebecq é provocador em muitos aspectos a começar pelo título e pelas implicações políticas que alguns teimam em menosprezar nas religiões especialmente no Cristianismo e no Islamismo, aqui colocadas em paralelo, de certa forma o último num trajecto histórico mais eficaz e certeiro que o primeiro. " "O Islão é político ou não é nada", diz a certa altura um dos próceres da religião triunfante. O problema é que o autor menospreza consideravelmente certas dinâmicas de poder já devidamente sedimentadas e enraizadas do secularismo Europeu e das suas elites, aqui enfraquecidas e dobradas até à caricatura. Se são válidos os argumentos demográficos, Houelebecq não se pode esquecer da história. Ou seja: "Islamizações" ou "Cristianizações" já foram levadas a cabo noutras eras e latitudes, mas pormenor importante, acompanhadas da inevitável brutalidade e do banho de sangue da "praxe". Aqui tudo se passa, como se de uma simples querela política se tratasse, apenas com meia dúzia de tiros e num espaço temporal inferior a uma geração ! A provocação reveste-se ainda de uma misoginia teórica e prática que o autor exibe descaradamente. As mulheres" levam" e calam e sem surpresa gostam, sugerindo-se que tal submissão - a todos os níveis, entenda-se - baixa o desemprego e é mais saudável, vide o exemplo de uma passagem da narrativa em que o protagonista evoca a recordação do dia a dia terrível e estafante, dentro e fora de casa, da mulher de um antigo colega, casamento que no presente ele antevê lógicamente terminado. Em suma: Ficção provocadora mas algo delirante. A não desprezar, o estilo acutilante e mordaz e a análise social e política perspicaz aqui e ali descobrindo a careca misantrópica e misógina do autor.
Michel Houellebecq é um autor diferente, provocador e intencionalmente desenquadrado; é de facto difícil de classificar. A crítica do "Pilar" é justa, o livro - que se lê com agrado - é demasiado esquemático. Gostei mais de " O MAPA E O TERRITÓRIO ".
1.
ResponderEliminarLi este livro nas férias, quase de um só fôlego (300 páginas num dia e meio).
O tema polémico e o autor reconhecidamente talentoso e virulento, tinham-me já posto a salivar aquando do lançamento do livro, marcado aliás pela coincidência infeliz - chamemos-lhe assim - dos atentados do Charlie Hebdo. Se for possível abstrair desses tristes acontecimentos, há ainda qualquer coisa de estranho no lançamento dos livros hoje em dia, com um marketing e mediatização que mimetiza os blockbusters de Hollywood - veja-se "Purity", o novo de Jonathan Franzen e a autobiografia "A minha luta", de Karl Ove Knausgard - que nos chegam em majestosas procissões de eudeusamento, concelebradas pelos mais eminentes teólogos e sacristãos da literatura dos nossos dias. Depois do crivo "intocável" dos editores e das críticas que em geral não se atrevem a baixar a nota, o que resta ao "consumidor" final do que dizer Ámen ? Alerta e doravante, não nos resignemos ao pensamento "oficial".
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ResponderEliminarQuanto ao livro achei-o bastante interessante, mas com alguns reparos. Houellebecq é provocador em muitos aspectos a começar pelo título e pelas implicações políticas que alguns teimam em menosprezar nas religiões especialmente no Cristianismo e no Islamismo, aqui colocadas em paralelo, de certa forma o último num trajecto histórico mais eficaz e certeiro que o primeiro. " "O Islão é político ou não é nada", diz a certa altura um dos próceres da religião triunfante. O problema é que o autor menospreza consideravelmente certas dinâmicas de poder já devidamente sedimentadas e enraizadas do secularismo Europeu e das suas elites, aqui enfraquecidas e dobradas até à caricatura. Se são válidos os argumentos demográficos, Houelebecq não se pode esquecer da história. Ou seja: "Islamizações" ou "Cristianizações" já foram levadas a cabo noutras eras e latitudes, mas pormenor importante, acompanhadas da inevitável brutalidade e do banho de sangue da "praxe". Aqui tudo se passa, como se de uma simples querela política se tratasse, apenas com meia dúzia de tiros e num espaço temporal inferior a uma geração !
A provocação reveste-se ainda de uma misoginia teórica e prática que o autor exibe descaradamente. As mulheres" levam" e calam e sem surpresa gostam, sugerindo-se que tal submissão - a todos os níveis, entenda-se - baixa o desemprego e é mais saudável, vide o exemplo de uma passagem da narrativa em que o protagonista evoca a recordação do dia a dia terrível e estafante, dentro e fora de casa, da mulher de um antigo colega, casamento que no presente ele antevê lógicamente terminado.
Em suma:
Ficção provocadora mas algo delirante. A não desprezar, o estilo acutilante e mordaz e a análise social e política perspicaz aqui e ali descobrindo a careca misantrópica e misógina do autor.
Michel Houellebecq é um autor diferente, provocador e intencionalmente desenquadrado; é de facto difícil de classificar. A crítica do "Pilar" é justa, o livro - que se lê com agrado - é demasiado esquemático. Gostei mais de " O MAPA E O TERRITÓRIO ".
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